Paradoxalmente, a moda pode tanto uniformizar, como pode ser extremamente democrática. A cada amanhecer temos a oportunidade de nos conhecer melhor como indivíduo e reafirmar nossa autenticidade, além de incitar a criatividade. Sim, existe moda para não-fúteis. Eis aqui um relato sobre moda, expressão, referência e personalidade. Afinal, você veste as suas próprias escolhas.
Hoje eu quero lançar moda. Hoje e todos os outros dias da minha vida. Quero inventar, sentir, vestir e sair por aí causando, contagiando as pessoas com um pouco de mim. Há quem diga que moda é coisa para pessoas frívolas, que não tem mais o que fazer. Que é pura futilidade. Eu discordo. Porque é por meio da moda que eu me expresso. E você, certamente, mesmo sem querer, também!
Por mais que alguém jure não gostar de moda, duvido que passe ileso por ela. Mesmo sem perceber, somos influenciados pelo mundo a nossa volta, pelos amigos, TV, internet, pelos nossos ídolos. Tudo que está em voga no momento. Tudo o que entra em sintonia e mexe conosco. Pode parecer um contrassenso, mas a forma como nos utilizamos da moda, que teoricamente uniformiza, nos define socialmente. É uma maneira de exteriorizar nossas preferências e valores culturais dentro daquele tempo e espaço. De se integrar e desintegrar político, social e sociologicamente. O tempo todo somos lidos sem precisar dizer palavra, estamos constantemente nos expressando.
Tribos criam sua moda, padronizam-se, como forma de identidade e inclusão no grupo. O matemático Jonathan Touboul, da Collège de France in Paris, comprovou matematicamente que os hipsters são todos iguais em seu estudo “The hipster effect: When anticonformists all look the same” (O efeito hipster: Quando anticonformistas são muito parecidos). Para ele, um grupo de indivíduos que tenta fugir das tendências da maioria acaba fazendo exatamente a mesma coisa que ela, por não possuir parâmetros para analisar o que será “normal”, fica difícil definir o que é “diferente”. Não é a toa que ser hipster virou cool e barba grande, óculos nerd e camisa xadrez estão no auge da moda.
Eis a fórmula. Alguém entendeu alguma coisa? Nem eu...
Como disse o sociólogo Zygmunt Bauman, ‘a moda fornece um modelo para a constante troca de identidades de nosso mundo’. Mas, ao contrário do que muitos pensam, ela pode ser uma forma de expressão democrática, reafirmando a individualidade como ser único e pensante uma vez que buscamos a nós mesmos em meio às araras abarrotadas de modismos. Além de incitar a criatividade na criação diária de novas combinações. Sim, existe moda para não-fúteis.
Desculpa-me decepcioná-lo, mas a cada manhã, quando você abre o seu armário, está fazendo moda. A roupa que usamos reflete quem somos, nossa personalidade, humor, estado de espírito. Incorporamos ideias, misturamos elementos criando combinações provavelmente muito diferentes das imaginadas pelo estilista que os criaram e que, juntos, nos tornam do jeitinho que somos. Tu vestes as tuas próprias escolhas.
Só que todo o tipo de vestimentas vendidas por aí, da loja de grife à feirinha da esquina, um dia foi pensada na indústria da moda, como o suéter surrado azul de Andy Sachs do filme O Diabo Veste Prada. Agora, escolher como usufruir dela é o que vai fazer a diferença.
Ao ver que a menina despreza a moda, Miranda Priestly, poderosa editora da revista Runway, vem com seu tapa de luva dar o recado:
“O que você não sabe é que este suéter não é simplesmente azul, não é turquesa, não é lapiz lazuli, na verdade é cerúleo. Você também não está ciente que, em 2002, Oscar De La Renta criou uma coleção de vestidos cerúleos. Depois, Yves St Laurent lançou uma coleção de jaquetas militares cerúleas. Rapidamente, peças cerúleas estiveram presentes em coleções de oito designers. Até que chegou às lojas de departamento e, depois, em alguma lojinha de esquina onde você, sem dúvida o pescou de uma caixa qualquer. Entretanto, esse azul representa milhões de dólares e incontáveis empregos. É até cômico como você pensa que fez uma escolha que te exclui da indústria da moda quando, na verdade, você usa o suéter que foi escolhido para você pelas pessoas dessa sala. Em meio a uma pilha de coisas.”
Não é preciso seguir tendências, mas, querendo ou não, nos valemos delas para encontrar o que realmente nos identifica e faz sentido naquele momento. E isso muda o tempo todo. E nos dá a oportunidade nos renovar e auto afirmar diariamente, além de dar um upgrade na autoestima a cada nova combinação. Porque ter referência e transitar por diversos meios é o segredo para sermos autênticos.
É por isso que eu sou a favor da moda. Ela me encanta como forma de arte, de expressão que vem de dentro para fora, mesmo que inconscientemente. Talvez o grande problema esteja nos que tentam compor um personagem. Quem sabe são esses os verdadeiros escravos da moda. Pra mim, ser livre não é tentar ser o mais simples possível para ‘fugir da moda’, mas sim assumir a minha personalidade independente do julgamento alheio. Moda é evolução e resgate, impulsiona a nossa revolução. Modas vêm e vão, o que fica somos nós mesmos.
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